domingo, 18 de setembro de 2011

De chuvas e de ações sociais

De novo estamos chocados com a tragédia provocada pelas chuvas em todo o Sudeste e, sobretudo, na região serrana do Rio de Janeiro.

Não é um fato isolado. Todo ano chove. Chove nos mesmos lugares, as tragédias se avolumam e o que mudou neste cenário foi apenas a intensidade, a quantidade de água que desabou dos céus e, com isso, o nosso assombro.

Campanhas de ajuda virão. Serão recolhidas toneladas de alimentos e muitos serão perdidos. Não é porque as pessoas são ruins e há corrupção e desvio. É que a logística para levar e distribuir 5 k de arroz, muitas vezes é mais cara do que comprar nas imediações. Sem contar que quem perde casa não tem onde cozinhar e precisa de comida instantânea, fácil de fazer num fogareiro improvisado. Geralmente se montam restaurantes comunitários geridos pelas prefeituras e ONGs que recebem subsídio para comprar comida. Também não adianta tirar aquele casaco grosso e caro do armário e enviar, porque as pessoas não têm onde lavar e vai pro lixo depois de usar. Já água potável, massas instantâneas, sabonete e leite em pó são sempre bem vindos, assim como roupas íntimas. Aprendi que ninguém doa calcinhas e cuecas e agora, diante de tragédias assim, compro várias, das mais simples, de vários tamanhos, e entrego.

Mas daqui a pouco chegará o sol, que secará a terra, levará a água de volta para os rios e córregos e nos encantaremos com a solidariedade, com a capacidade de mobilização das pessoas, com a ajuda humanitária e vamos esquecendo a dor das vítimas, os riscos eminentes e as obras de prevenção planejadas, pensadas e necessárias.

Virão outras prioridades, sobretudo lá pelo meio do ano, quando estivermos rezando por um pouco de chuva e quando chegarão os incêndios e iremos chorar pelas montanhas queimando.

De novo vamos clamar pelos animais queimados na Serra da Prata, por exemplo, e se seguir o que aconteceu em 2010, fogueiras se levantarão da terra em todo o país e levarão as árvores centenárias que fazem a nossa referência na paisagem e que tombam levando junto parte da nossa história.

Faremos planos, pensaremos em brigadas, questionaremos o poder público, ficaremos indignados com a falta de educação, consciência e respeito de quem coloca fogo em terreno, queima lixo... mas a chuva benfazeja logo chegará, apagará o fogo, veremos a natureza se refazendo e respiraremos aliviados. As brigadas, as promessas, o susto tudo ficará para trás e nós vamos tocando a vida, gratos pela água que chegou.

Com o intervalo de notícias de algumas ventanias lá por agosto e setembro, de pássaros e peixes que morrem sem motivo, de alguns vulcões que resolvem voltar à ativa, de terremotos e tsunamis, pelo mundo, chegará de novo janeiro. E com janeiro, novamente as chuvas, possivelmente mais intensas. E com elas novas vítimas. A televisão fará de novo shows de coberturas, haverá novos heróis e vítimas que se salvam por milagre. Outras cidades e regiões serão atingidas com mais intensidade. Mas se não houver mudança a Vila Pantanal em São Paulo deve continuar enchendo e os morros no Rio de Janeiro vão descer de novo. Cobraremos as obras esquecidas, culparemos esferas superiores, quiçá ambientais – são as forças ocultas que atuam no país desde a renúncia de Jânio-, pensam alguns - e, de novo, vai passar. Até quando?

O que estamos vivendo não é privilégio nosso. Acontece em todo o mundo e atende pelo nome de mudança climática. A tendência, dizem todos os especialistas, é de que vai piorar. Não se trata de mais um discurso “eco-chato”. É um fato. A época dos discursos já passou. Ninguém quis ouvir e o resultado é que exaurimos o planeta e não esta mos preparados para o que pode vir, para lidar com as legiões de migrantes que fugirão de regiões devastadas, com as vítimas do clima, com o volume de água, gelo, vento e fogo que se alastra.

Mas o fato do fenômeno ter nome, não exclui a nossa responsabilidade de prevenir. Não podemos mais parar a quantidade de chuva, mas precisamos, com urgência, de um programa de redução de risco de desastres, como a principal política pública de Estados , dos Municípios e do governo federal. São medidas que atuam de um lado na prevenção e no outro para que, se houver o problema, ele tenha um impacto pequeno.

As universidades, o saber acadêmico precisa deixar as pranchetas, as elucubrações virtuais, os cálculos de “quantos anos até as geleiras degelarem-se” , ou quantas árvores devem ser plantadas para fazer o seqüestro de gás carbônico e cair no mundo real. As idéias de prevenção precisam circular. Precisamos ter aviso destes fenômenos. Nem que seja meia-hora antes, para que as pessoas possam sair das suas casas. Novas tecnologias, apenas teorizadas, precisam ser colocadas à prova. As prefeituras não podem ter medo de inovar e buscar tais alternativas. Nem podem continuar a não fazer a sua lição de casa. Cabe-nos a tarefa de minimizar ao máximo possível os danos, tanto econômicos, quanto de vidas, quando as tragédias chegarem até nós.

Há áreas que requerem mudanças estruturais de saneamento, de moradia, de contenção de enchentes, de piscinões e aí é função do poder público priorizar e da população cobrar. Mas a sociedade civil organizada também precisa se estruturar para estar pronta a atuar num desastre. Ações de defesa civil, brigadas de incêndio, voluntários, enfim, o momento de organizar é este. Esta é a realidade que vivemos e este é o nosso desafio. E o tempo de pensar e mobilizar é agora enquanto ainda estamos mexidos com o que vemos na televisão. Como dizia minha vó, se malha o ferro enquanto ainda está quente.

Maria Isabel Pereira é jornalista.

PS- O texto foi escrito em janeiro de 2011, logo depois da tragédia em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Acho que foi publicado em jornal, mas não tenho certeza. Resolvi deixar no Blog...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

ONGs pedem que ABENGOA formalize pactos sociais e ambientais na ampliação

Dentro do período regimental de 5 dias úteis após a Audiência Pública para ampliação da ABENGOA, Grupo Ecológico Maitan, a Ong Guará, o Associação Universidade Holística da Mantiqueira e o Movimento SOS Serra das Águas encaminharam ao Consema - Conselho Estadual do Meio Ambiente documento onde fundamenta os questionamentos feitos durante a audiência pública realizada no dia 31 de Agosto de 2011. O documento ainda que assinado somente pelas organizações legalmente constituídas foi feito a muitas mãos e conta com a participação de muita gente. Para dar transparência ao pedido, segue o documento abaixo:

ILUSTRÍSSIMOS SENHORES DO CONSEMA – CONSELHO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE

Audiência Pública realizada em São João da Boa Vista, em 31 de Agosto de 2011

Referente ao Processo nº 84/2009, que versa sobre a

Ampliação da área plantada, moagem de cana e consquente produção de açúcar e alcool pela Abengoa Bioenergia.

"A lição sabemos de cor, só nos resta aprender.”

Beto Guedes

O Grupo Ecológio Maitan, a Ong Guará, a Associação Universidade Holística da Mantiqueira, aqui representados por Marco Antonio de Souza, Maria Cristina dos Santos Lerosa e Maria Isabel Pereira signatários, vêm à presença de Vossas Senhorias, usando o período regimental de cinco dias úteis concedido na Audiência Pública do dia 31 de Agosto do corrente , para apontar o quanto segue, ampliando e referendando o que já foi exposto na referida audiência:

I- INTRODUÇÃO

O direito ao meio ambiente equilibrado e seguro é o mais genuíno exemplo de direito essencialmente difuso, classificado como direito humano fundamental, o que legitima todos quantos se sentem lesados ou ameaçados de lesão a participarem do processo decisório a respeito do empreendimento citado. O texto do art. 225 da Constituição da República, além de comando legal, constitui-se em verdadeira oração: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.” Em atendimento à lei, portanto, redige-se esse documento, dentro do princípio democrático.

II – Números diferentes – Empreendimenos Diferentes

Na audiência citada, a apresentação feita pela interessada, bem como pelos responsáveis pela elaboração do EIA-RIMA, evidenciaram graves discrepâncias entre os documentos alí apresentados, o que havia sido disponibilizado anteriormente para consulta em Biblioteca Municipal, o que estava disponível para download no sítio do CONSEMA e que foi modificado, no mesmo sitio, alguns dias antes da audiência e o Termo de Referência para elaboração do EIA/RIMA, com base no projeto apresentado pela Abengoa.

A alteração no sitio do CONSEMA foi observada, quando na ante-véspera da adiência, notamos que o RIMA disponível para Download havia sido substituído pelo RIMA do empreendimento 85/2009. O Conselho foi alertado e a correção foi feita, imediatamente. Segundo funcionários, o fato se deu porque teria havido “complementação de informações”. Parte desta complementação já havia sido solicitada pelo Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental.

Neste novo documento, com pelo menos 80 páginas a mais (a maioria na introdução) há um fato que se sobrepõe a todos os outros: O tamanho do empreendimento quando da elaboração do Termo de Referência (TR) em 2009 e o retrato atual do mesmo empreendimento trazido pela Abengoa no EIA agora disponibilizado, mas datado de novembro de 2010.

1- Área Plantada e Zoneamento Agroambiental

Em agosto de 2009, o TR apontava que a área plantada era de 42.334 hectares. Com ampliação, pretendia-se chegar a 44.117, ou seja um aumento de menos de 2 mil hectares.

E de se notar que o EIA/RIMA anteriormente apresentado não dispunha de outros números, que não os mesmos do TR.

á no EIA levado à Audiência, o aumento de área plantada é de 10.137 ha, sendo que ainda há páginas que apontam o crescimento para 11 mil ha (Pág. 81). De acordo com o estudo, trata-se de um aumento de 22% do que já possui, no entanto, chama atenção o fato de que com a ampliação pretendida de mais de 10 mil hectares a área com a ampliação passará para 45. 294 – pouco mais de mil hectares no levantamento anterior. É que, de acordo com o estudo datado de Novembro de 2010, o plantio estaria restrito a 35.157 hectares. Significa dizer que em pouco mais de um ano a empresa teria deixado de produzir em 7.177 hectares.

A ampliação ora pretendida pela Abengoa, que irá aumentar 10.136 ha de cana na região, será feita, segundo a empresa, nas áreas demarcadas no mapa em vermelho. Depreende-se, desta informação, que a ampliação segue junto à Lagoa Branca em direção ao município de Casa Branca. (Veja mapa da ADA/ADI do RIMA).

No íten 3.2 à Pag.33 de Referido EIA/RIMA, quando o Estudo aponta a Compatibilidade do Empreendimento, faz questão de grafar:

"A ampliação do empreendimento no tocante à área agrícola não implicará em risco da cultura canavieira em ocupar áreas ecologicamente inapropriadas ou que venham a comprometer a segurança alimentar da região, devendo haver pequena expansão da lavoura sobre antigas áreas de cultivo ou sob áreas até então ocupadas com pastagens (de baixa produtividade ou degradadas). Desta maneira, atenderá ao disposto no zoneamento agroambiental da cana de açúcar no estado de São Paulo, como também o zonemaneto agroecológico da cana-de-açúcar detalhado por região brasileira, que define o crédito adequado para a expansão da cultura no país (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA, 2009).

Sabe-se, porém, que há a prospecção de novos plantios em outras áreas que não estão no mapa. Exemplo claro disso seria o plantio pretendido em Águas da Prata, área considerada inadequada ao plantio de Cana, pelo Zoneamento Agroambiental do Estado de São Paulo e que resultou em intensa mobilização popular e consequente desistência da empresa em se instalar no local.

Alí a empresa chegou a arrendar 170 ha e fez um contrato para mais 100 ha, onde hoje está plantado café, na Fazenda Retiro.

Se levarmos em conta, ainda, o crédito adequado para a expansão da cultura no país, temos que quase toda a Area de Influência Direta do empreendimento se encontra em área tida com nenhuma ou com baixa e média aptidão, uma vez que o solo é ocupado com áreas agrícolas.

Diante da diferença entre o Estudo e a prática da empresa, destacamos a nossa preocupação com a ocupação do solo em áreas críticas para o município de São João da Boa Vista, com destaque para a área conhecida como Serra da Paulista e com a área de cana existente às margens do Rio Jaguari Mirim, que a própria empresa reconhece como vulnerável.

Sobre a área do Jaguari Mirim o Estudo afirma, à pagina 85:

Ressalta-se que há nas margens do Rio Jaquari uma pequena zona considerada inadequada para a cana de açúcar em decorrência deste rio ser considerado crítico, assunto que será melhor discutido no item relativo à vulnerabilidade de águas do estado ( mapa que serviu de base para composição do zoneamento da cana)”

Mas tal estudo, com águas superficiais, não existe no EIA/RIMA disponibilizado. O RIMA traz apenas o mapa da vulnerabilidade de águas subterrâneas. Solicitamos à Engenheira Agrônoma, dra. Adriana Cavalieri Sais, que fizesse a sobreposição do mapa com as áreas de cana de açúcar da Abengoa ( incluindo a área de expansão) e a base cartográfica desenvolvida pelo Ciprejim – Consórcio Intermunicipal de Preservação da Bacia do Rio Jaguari Mirim, para que se tivesse um mapa da hidrologia da bacia do Rio Jaguari Mirim.

O resultado que segue em outro anexo, demonstra a grande quantidade de nascentes e pequenos córregos d’água e relata, claramente, as áreas de cana nos entornos destes cursos d’água.

Assim, é preciso que a empresa apresente um estudo detalhado de como irá operar nesta área visando, inclusive, a sua retirada do local, visando proteger este curso d’água reconhecido como vulnerável pela sua importância no abastecimento de água da população da região.

No que se refere à expansão rumo Casa Branca presente em todos os mapas também há problemas.

O primeiro se refere à instalação de novos plantios cercam a Lagoa Branca, um dos últimos lagos naturais na região e importante reserva de água doce para aquela comunidade.

Depois, o estudo também acena com a possibilidade de crescimento em outros pontos. Á página 81 do referido estudo temos que:

“No que respeita a área agrícola, a região oferece vantagem em ter-se terras agricultáveis necessárias a atender a ampliação da planta industrial (cerca de 11.000 hectares para a moagem pretendida de 3.500.000 toneladas de cana-de-açúcar /safra), uma vez existir atualmente área maior que a necessária e investir-se em melhoria da produtividade agrícola. Assim, verifica-se que este quesito não se apresenta como um entrave ao empreendimento, face a existência de terras compatíveis para o cultivo canavieiro, situadas nos municípios de São João da Boa Vista, Vargem Grande do Sul, Itobi, Aguai, e os demais municípios que situam-se em raio de 30 km da usina, distância considerada economicamente viáveis ao manejo da cultura e processamento da matéria-prima. Há de se ressaltar que a expansão de lavoura se dará sobre áreas de pastagens sujas”.

O texto dá a entender que poderá haver expansão também em outros locais. Razão pela qual se faz necessário falar da importância de preservação da Serra da Paulista.

A Serra da Paulista, localizada entre os municípios de Vargem Grande do Sul, São João da Boa Vista e Águas da Prata constitui o cartão postal da cidade, local destinado ao turismo e com extesas áreas florestais de Mata Atlântica, abrigando espécies animais que se encontram ameaçadas de extinção.

O saudoso biólogo David Eduardo Paoleinetti Bossi, encontrou no local 10 espécies de pequenos mamíferos (roedores e marsupiais), dentre eles o Thaptomys nigrita, uma espécie rara de roedor murídeo que habita a Mata Atlântica. Sua presença é considerada importante indicador biológico, evidenciando uma riqueza da biodiversidade, uma estabilidade do ambiente e uma pequena ação antrópica. Esta pesquisa evidenciou que a Serra da Paulista é um lugar singular, uma área de alta importância biológica e que os seus remanescentes florestais precisam ser preservados. Há inclusive um projeto de APA junto à Serra da Paulista protocolado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, quando o sanjoanense Sidney Beraldo, atual secretário da Casa Civil, era o presidente daquela Casa de Leis.

No município de São João da Boa Vista, em particular, o CTUR (Comissão de Turismo de São João da Boa Vista) já vem realizando, há quase uma década, um trabalho de desenvolvimento turístico que está sendo implantado nesta área, buscando preservar a qualidade de vida dos moradores da serra e das cidades vizinhas, garantir a manutenção de um ambiente saudável e proporcionar a tão desejada sustentabilidade para a Serra da Paulista.

A pavimentação da estrada da Serra da Paulista, que liga São João da Boa Vista a São Roque da Fartura, no alto da serra, possibilitou a criação de um roteiro de turismo rural para o município, incentivando as propriedades a investirem em infra-estrutura como restaurantes rurais e pontos de venda de produtos locais, bem como facilitando o acesso a cachoeiras, mirantes e outras belezas naturais.

Trata-se de uma estrada vicinal, com grande número de curvas e mirantes de observação da vista da Serra e sem condições de suportar o transito de grandes caminhões.

Resta claro que a atividade canavieira não combina com a pretensão de desenvolvimento local, razão pela qual, a produção de cana em futuras ampliações devem evitar esta área a todo custo.

2-Produção de Alcool

A discrepância de dados resta ainda mais evidente em razão dos números apresentados e que se referem ao que a Usina já está produzindo. Tais fatores indicam que a pretendida ampliação, no que se refere ao aumento da produção de álcool, já está praticamente concluída, antes mesmo do licenciamento.

Vejamos: O principal objetivo da expansão pretendida se sustenta na produção de álcool. À pagina 32, o estudo aponta que o objetivo “é atingir o reconhecimento como líder mundial na produção de biocombustíveis”.

Quando da elaboração do projeto original, configurado no Termo de Referência ( documento que consta como anexo no RIMA e encartado também no processo 84/2009 à folha 42), a empresa dizia que produzia 32.640 metros cúbicos de álcool/safra e pretendia, após efetivada a ampliação chegar a produzir 129.600 metros cúbicos de álcool/safra.

Causa estranhamento o fato da empresa apresentar hoje ( mas sempre com data de novembro de 2010), a sua produção como sendo de 111.525 metros cúbicos de álcool.

Ou seja, a empresa embora afirme que teria diminuído a área plantada, em mais de 7 mil ha, aumentou a sua produção de álcool em quase 4 vezes, chegando muito perto do objetivo que foi objeto do licenciamento, atestado no TR!

Agora, a ampliação pretendida originalmente não é mais suficiente e a meta passou a ser a de produzir 150. 635 metros cúbicos de álcool/safra.

A discrepância entre os números apresentados, já evidencia falha insanável no processo, tendo em vista que os dados apresentados lançam mais dúvidas do que esclarecem quanto ao tamanho do empreendimento e o que pretende a empresa.

O processo da Abengoa, pela sua ordem de grandeza, é um dos maiores acompanhados pela Agência Ambiental da Cetesb, em São João da Boa Vista. Teria cerca de “ 1 metro e meio” de altura e refere-se, principalmente, às alterações da Planta Industrial e as notificações, multas e advertências de queimada de cana em horários proibidos e em áreas não permitidas.

A contínua ampliação em uma planta deste porte resultou num Plano de Melhoria Ambiental, em função das advertências e ajustamentos detectados necessários pela CETESB.

Em que pese o fato de que a ampliação da Abengoa ainda seja fruto de estudo, não tendo a mesma autorização para tanto, a Abengoa continua a tratar da sua ampliação por vias transversas.

Se observamos notícia publicada no Jornal O MUNICIPIO na edição 8682 de 17 de janeiro de 2009, denunciando o alojamento inadequado de trabalhadores trazidos à São João da Boa Vista pela Abengoa, temos que estes foram contratados pela empresa Irmãos Passaúra, de Montagem e Manutenção Industrial. Sobre as condições de trabalho de tais trabalhadores trataremos em outro tópico.

http://www.guiasaojoao.com.br/guiasaojoao/000/pag/F_municipio.asp?ID=10230

No site da Passaúra, podemos ver todo o trabalho de ampliação feito para Abengoa, que foi fotografado pela empresa

http://galeria.passaura.com.br/main.php/v/obras/abengoa/

Tais fatos afetam de modo indelével a credibilidade do empreendimento e de seus responsáveis junto aos órgãos competentes e à comunidade local.

Se faz necessário que as autoridades que versam sobre o assunto e a empresa informem a comunidade do que de fato está havendo nas dependências da Lagoa Formosa, para que tenha uma ideia mais exata do que é a ampliação pretendida e quais serão os números finais do projeto de ampliação proposto.

II – Impactos do Empreendimento

1-Aspectos Sociais

Nos preocupa, sobremaneira, as notícias que dão conta de problemas de gestão na Abengoa. No último mês, foram registrados 5 incêndios em 7 dias. Fora de controle, o fogo além de queimar canaviais, atingiu áreas de pastagem, cercas de divisas e áreas de preservação permanente.

Multinacional Abengoa registra 5º caso de incêndio em 7 dias

http://www.parabrisa.com.br/index.php?page=noticias&id=2330

Mas os incêndios deste ano, são nada se comparados aos registrados no ano passado. Em 2010, as áreas de incêndio foram tais, que a Agência Ambiental da Cetesb, em São João da Boa Vista, chegou a autuar a empresa, em apenas um mês (setembro do ano passado) em mais de R$ 800 mil, por fogo na cana em horário e locais probidos. Para efeito de amostragem, somente entre os dias 1 e 30 de setembro, a empresa recebeu 16 autuações, sendo 9 multas e 7 advertências. Segundo funcionário da agência foram multas e autuações referentes à queima de cana. Foi a empresa com maior número de autuações naquele mês. Veja em:

http://www.cetesb.sp.gov.br/servicos/doc_emitidos/documentos/Autua%C3%A7%C3%B5es_09_10.pdf

Não é só o fogo que tem levado à Abengoa às páginas policiais dos jornais locais com bastante frequência. No último mês a empresa registrou Boletim de Ocorrência atestando terem sido roubados de sua sede, na Fazenda Lagoa Formosa, entre os dias 12 e 15 de agosto, 446 quilos de agrotóxicos, dentre eles Metsulfuron Metilico, Isoxaflutone, Fipronil e Imazapique. Não foi a primeira vez, no ano passado, outros 192 quilos de inseticida da marca Regent sumiram.

Abengoa leva prejuízo de R$200 mil com furto de agrotóxicos

http://www.parabrisa.com.br/index.php?page=noticias&id=2310

http://www.guiasaojoao.com.br/guiasaojoao/000/pag/F_municipio.asp?ID=10230

O aparente descontrole se estende para outras áreas da empresa.

Um trágico acidente vitimou um trabalhador que dormia em uma vala e foi estraçalhado por uma colheitadeira:

Everton Ventura morre atropelado por trator em usina de cana

http://www.parabrisa.com.br/index.php?page=noticias&id=2336

Operário morre esmagado por trator na zona rural

http://www.guiasaojoao.com.br/guiasaojoao/000/pag/F_municipio.asp?ID=10230

Não foi a primeira vez que houve morte provocada por máquinas em canavial na região.

http://www.guiasaojoao.com.br/guiasaojoao/000/pag/F_municipio.asp?ID=10230

Animais também sofrem

Veado é encontrado com queimaduras

http://www.parabrisa.com.br/index.php?page=noticias&id=34

Carretas tombam nas estradas

Carreta com cana tomba na rodovia São João-Vargem

http://www.parabrisa.com.br/index.php?page=noticias&id=1770

Diante do exposto, solicitamos que haja um controle mais efetivo de incêndios acidentais, controle de fogo e de acidentes de trabalho dentro da empresa, com um plano de trabalho específico, com metas e cronograma de atuação. Pedimos ainda que a empresa dê ampla publicidade a estas ações disponibilizando os projetos em seu site.

Geração de Emprego

O Estudo às folhas 437 e 438 traz o resultado de uma pesquisa feita com moradores da Área de Influência Direta.

Depreende-se do resultado que os entrevistados apontam como positivo a geração de empregos ao apoiar a ampliação do empreendimento. Porém ela não será significativa, pelo menos é o que aponta o Estudo.

À Pag. 27, onde o Estudo caracteriza o empreendimento, temos que serão gerados apenas 31 novos postos de trabalho. Todos na Usina.

É, justamente, no cuidado com os trabalhores, que a Abengoa precisa focar uma atuação social mais efetiva.

São eles quem mais sofrem, sobretudo quando há uma crise no horizonte.

Em 2009, o município de Vargem Grande do Sul e Santa Cruz das Palmeiras, sofreram com o cancelamento, abrupto, de todos os contratos com as transportadoras:

“Abengoa dispensa todas as transportadoras de Vargem”

http://www.guiasaojoao.com.br/guiasaojoao/000/pag/F_municipio.asp?ID=10230

No mesmo ano, a empresa foi alvo de denúncias de moradores com um alojamento instalado em área uniresidencial.

Moravam no local 20 operários e eram esperados outros 30, num prédio onde não havia tanque para lavar roupa e a cozinha e o refeitório eram improvisados, sem alvará de funcionamento. A materia aponta que a empresa teria trazido cerca de 150 operários da região de Curitiba, por não ter encontrado mão de obra qualificada na região.

http://www.guiasaojoao.com.br/guiasaojoao/000/pag/F_municipio.asp?ID=10230

A Ong Repórter Brasil ao fazer um Raio X da sustentabilidade das empresas, aponta em seu site que:

“Abengoa (Espanha) – Com unidades nos municípios de São João da Boa Vista e Pirassununga (SP), a Abengoa consta da lista de devedores da dívida ativa da União (dívida no INSS). De acordo com o Ministério Público do Trabalho, o grupo é alvo de investigações correntes de problemas trabalhistas com jornada de trabalho, horas excedentes, horas extras, períodos de repouso, intervalo intrajornada, extinção do contrato individual de trabalho e salário na unidade de São João, além de pelo menos 12multas por crimes ambientais, aplicadas pela CETESB”.

https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:k-LRuKl0VOsJ:www.reporterbrasil.org.br/documentos/Canafinal_2011.pdf+piso+salarial+%2B+cortador+de+cana+%2B+abengoa+%2B+2011&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEEShOUNHTpWSORM5MZTboX8A1WS-3ep0-JOG1dIlgFzXIfWNa-gCOxlAWAm784H6Y4x7jZPZkW7R7Ex1g2UEhZHl0vlyfOMVfBTFkKAdhC6Sz3GD4W3_G6z_cG1yys3UqH17NloZw&sig=AHIEtbT-Mynsfutr6DQ04kM_5DjgPpkKUw&pli=1

Em 2010, o Ministério Público Federal deu 120 dias para que a empresa, bem como outras usinas da região elaborassem um Plano de Assistencia Social aos seus trabalhadores:

Usinas da região de SJ tem 120 dias para cumprir sentença

http://www.parabrisa.com.br/index.php?page=noticias&id=400

É preciso que a empresa formalize um acordo para empregar de fato o trabalhador da região para que este impacto positivo tenha razão de existir e figurar no Estudo. Convenhamos que a geração de 31 empregos, não pode ser considerado algo a ser levado em conta como positivo na ampliação, sobretudo numa empresa deste porte.

Saúde do Trabalhador

Há que se considerar, também, a relação entre o consumo crescente de crack e outras drogas entre os canavieiros e como a empresa pretende lidar com isso.

O assunto foi levado à audiência pelo médico psiquiatra José Alfredo Jabur, presente à audiência pública do dia 31 de Agosto, que ele fundamenta melhor abaixo:

Causou-me grande estranheza o fato de ouvir a resposta do representante da Abengoa Bioenergia, o diretor Rogério Ribeiro Abreu dos Santos, a respeito da pergunta que formulei sobre o uso de Crack entre lavradores canavieiros.

Perguntei se a empresa tinha consciência do grave problema de saúde pública que é o uso de Crack entre trabalhadores na lavra da cana e, suas repercussões no ambito do tráfico de drogas na cidade (maior consumo de drogas ocasiona maior estrutura de tráfico local).

A resposta do representante foi que a empresa estaria qualificando pessoas para que possam identificar esses usuários e assim impediriam que tais "indivíduos" trouxessem o problema para dentro da empresa.

Isso demonstra não só um claro desconhecimento da natureza fundamental do problema (O que motivaria o lavrador a consumir tais substâncias no trabalho), como demonstra que não há política de prevenção educativa e nem tratamento dos funcionários adictos.

Que tipo de responsabilidade social tem essa empresa???
O que se desenha é uma política de exclusão e não de acolhimento e tratamento. Isto por si, agravará ainda mais as questões sociais no entorno, devido ao fato de já se saber, por vários estudos científicos, que existe uma clara relação entre o sofrimento do lavrador canavieiro (devido à degradante condição de seu trabalho) e o uso-abuso-dependência de crack, álcool e maconha.

Uma empresa com esse perfil não está preparada para propor aumento de área de plantio, ou de produção de cana; pois isso aumentaria a população local (ou importada de outros centros) exposta aos fatores de risco e agravos a saúde produzidos pela condição degradante da lavoura em questão; além de criar um ambiente propício ao surgimento da clientela e do tráfico de drogas.
Esses são pois, dois graves impactos oriundos do insalubre ambiente da cultura canavieira: agravos a saúde e a ampliação do universo das drogas.
Quanto maior a área cultivada, mais dramático é o problema já existente.
Mais cana = mais emprego sazonal, menos áreas para pequeno produtor, menos empregos a culturas mais sustentáveis, perda progressiva do "know how" das culturas substituidas por cana, mais usuarios/dependentes de droga, mais tráfico, mais violência e problemas pasico-sociais que demandam tratamento e não a exclusão desenhada pela empresa como estratégia de enfrentamento do problema.

Concluo defendendo a tese de que não há o menor benefício social com o aumento das áreas canavieiras em nossa região, teremos sim graves porblemas sócio-ambientais.
Disponibilizo aos senhores textos que elucidam mais profunda e claramente minhas posições na forma de links e/ou em anexo.

Atenciosamente:
José Alfredo Jabur

Médico Sanitarista com área de concentração em saúde ocupacional e saúde mental. Psiquiatra e Psicoterapeuta - RG 12894988 - CREMESP 54759-0”

Leia mais em:

LINKS DE TEXTOS RELATIVOS AO TEMA:

a - Arlete Fonseca de Andrade - Cana e crack: sintoma ou problema?
Um estudo sobre os trabalhadores no corte de cana e o consumo do crack. 2003. Dissertação de Mestrado (Psicologia Social) - PUC-SP.
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea000225.pdf

b - Thyago Augusto de Carvalho - Os Trabalhadores do setor sucroalcooleiro
APROPUC-SP.
http://www.apropucsp.org.br/apropuc/index.php/revista-puc-viva/39-edicao-33/425-os-trabalhadores-do-setor-sucroalcooleiro

c - Clipping: Droga urbana, crack chega aos canaviais de São Paulo
http://www.reporterbrasil.org.br/clipping.php?id=396

2- Impactos Ambientais e Medidas Mitigatórias

As páginas 453, 454, 455 e 456 do EIA trazem um estudo de interação do impacto de implantação, na área agrícola e industrial.

Sem sequer um aprofundamento maior sobre o tema salta aos olhos que:

O volume de impactos negativos gerados superam –e muito- os impactos positivos que se concentram, basicamente, na fabricação de álcool combustível e açúcar; no pagamento de impostos, no aumento de renda para o setor agrícola e na ocupação de mão de obra, que já se demonstrou aqui ser pouco significativa.

Para mitigar os impactos negativos, o Estudo traz uma série de programas que devem ser implantados para tanto, mas que configuram, na melhor das hipóteses uma carta de boas intenções e em local diverso ao impacto.

Seria oportuno se ao estudo fosse anexado um plano de trabalho para cada um dos programas estabelecidos, com um cronograma de execução e que a estes programas fossem dadas ampla publicidade.

III- Aspectos Jurídicos

1- Derradeiramente, revela-se útil uma abordagem jurídica, já que a questão se imbrica nos ramos do direito do ambiente e do direito de empresa e a ponderação de ambos deve nortear a decisão de casos como o presente.

Todos sabemos, mesmo no senso comum, da importância da atividade empresarial nas sociedades contemporâneas. Tanto que poderíamos apontar como centro principiológico do moderno direito empresarial o princípio da preservação da empresa.

A empresa deve ser preservada em virtude dos agregados sociais que a ela se somam: Postos de trabalho, incidência fiscal, avanço tecnológico, desenvolvimento do entorno e facilitação de acesso da população a bens e serviços, representam interesses de toda a sociedade.

A atividade econômica – desenvolvida preponderantemente pela iniciativa privada, por comando constitucional - ocupa posição central na sociedade atual: é na empresa que as pessoas passam a maior parte do seu tempo, é onde se relacionam, é onde ganham seu dinheiro e é onde o gastam, também. Proveitosa a observação de Fábio Konder Comparato: “Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva como elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa.” (COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 3.).

Daí porque o moderno direito de empresa não trata dos interesses empresariais dissociados dos demais interesses sociais. São inúmeros os exemplos na doutrina apontando nesse sentido (dentre eles, Luiz Antônio Soares Hentz, Osmar Brina Correa-Lima, Fábio Ulhoa Coelho, José Marcelo Martins Proença, Rachel Sztajn, Wilges Bruscato, Fábio Konder Comparato etc.), a ponto de ser cunhada a expressão direito empresarial público por Calixto Salomão Filho (SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Empresarial Público. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: RT, v. 43, n. 112, p. 15-17, out/dez 1998.).

A própria legislação societária prescreve que o acionista controlador deve usar seu poder com a finalidade de fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função pública, tendo deveres e responsabilidades para com os demais acionistas, os que trabalham na companhia e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender (art. 116, lei nº 6.404/76).

“Não se pode retirar a legitimidade da busca ao lucro. Todavia, na atualidade, ele deverá estar em harmonia com outros interesses externos à empresa, o que atenderá à função social da propriedade no âmbito do direito empresarial, isto é, o direito de empresa deve estar atento ao interesse público, ao interesse da coletividade. Num certo sentido, atentar para esses outros interesses – dos trabalhadores, dos consumidores, da comunidade, do meio ambiente etc. – resulta, indiretamente, em interesse do próprio empresário. É que permanecerão atuantes as empresas cujos titulares tiverem visão de médio e longo prazo. Atentar para o desenvolvimento da atividade tendo como elemento norteador valores e princípios éticos funciona como realimentação sustentável da economia.” (BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 39-40).

Na verdade, por comando constitucional, toda empresa deve cumprir uma função social (art. 5º, inciso XXIII, Constituição da República), como todos os demais atores sociais. Para tanto, a empresa deve atender a dois requisitos: estar ativa e regular.

Isso porque, quando a empresa está em funcionamento, os seus agregados sociais se implementam. Um acervo patrimonial empresarial paralisado, não cumpre função social, dado o caráter dinâmico da propriedade para o direito de empresa.

Mas, além de estar ativa, a empresa precisa estar atenta aos limites legais mínimos estabelecidos na Constituição e na legislação.

O primeiro agregado social - postos de trabalho – constitui um dos princípios da ordem econômica: busca do pleno emprego (art. 170, VIII, CR). A atividade empresarial é o local natural de abertura e manutenção de postos de trabalho, já que o Estado não pode empregar a todos. Mas é preciso que a relação de emprego se dê respeitando não só a legislação trabalhista, mas, de modo ético, a dignidade do trabalhador, como fundamento da República (art. 1º, III, CR). Perceba-se que não por acaso, o princípio da dignidade humana está logo na abertura do texto constitucional.

Quando a iniciativa privada acena com milhares de postos de trabalho que perpetuam uma realidade perversa, voltada a pessoas sem escolaridade, sem nenhum tipo de qualificação emancipatória, especialmente no caso de empresas de porte, não se pode considerar que estão atendidos os ditames da lei maior.

Mormente quando se trata de emprego sazonal, com condições vis, quase se assemelhando a situação de subemprego, como já vimos acontecer na região, na indústria canavieira e sucroalcooleira. Tal situação não é meta de vida para ninguém. Alegar que a população deseja que a indústria canavieira se perenize nas localidades porque nisso os pais veem oportunidade para seus filhos se fixarem na cidade natal é argumento espúrio. Qual o pai ou a mãe que quer para seu filho a profissão de cortador de cana, cujo piso salarial praticamente se equipara ao salário mínimo?

Além do mais, o impacto da geração de empregos - citado como positivo no EIA-RIMA em questão – é contraditório com a prometida mecanização completa até 2014. Uma das grandes questões enfrentadas pelo direito do trabalho na atualidade no Brasil é justamente o desemprego causado pela mecanização de lavouras.

Postos de trabalho por postos de trabalho, a China tem aos milhões. Quantidade nos interessa, mas não acima da qualidade.

No entanto, frise-se, novamente: do documento apresentado pela interessada resta que serão abertas apenas 31 vagas...

Tradicionalmente, nesse tipo de empreendimento, a mão de obra empregada é itinerante, trazida de outras localidades, o que se confirma nas reportagens citadas acima.

Quanto ao segundo agregado social da empresa, a incidência fiscal, a acenada contribuição de seis dígitos propalada pela interessada, afirmando que com isso muito contribui para o município, há um detalhe pertinente que deve ser ressaltado: entre as contribuições e impostos exibidos apenas a contribuição de ISS é de competência municipal, como se sabe. Os demais são recolhidos aos cofres da União ou do Estado, mas será o município que terá que lidar com o aumento nas demandas no setor de saúde, educação, segurança e habitação decorrentes da atividade da interessada. O impacto positivo da incidência tributário-fiscal no caso presente é verdadeiro sofisma.

Mormente, quando se sabe a interessada está inscrita na dívida ativa por deixar de cumprir obrigações tributárias, como demonstrado.

Investimento em tecnologia é o terceiro agregado da empresa. E, certamente, a interessada deve investir em avanço tecnológico. Porém, ao que parece, esse investimento se dá no sentido exclusivo de melhorias e otimização dos processos produtivos e aumento da margem de lucro. Nos moldes traçados acima, no entanto, o progresso deve se dar no sentido de garantir que a produção se dará de forma a minimizar os efeitos deletérios – constatados no EIA-RIMA – para a comunidade. E disso não há indicações seguras, definidas, detalhadas e aprazadas no documento. O avanço tecnológico que interessa à sociedade é o que respeita o ser humano e preserva o meio ambiente, segundo os princípios da precaução e da prevenção, tão conhecidos no direito ambiental.

Mesmo o envolvimento no mercado de carbono restou incerto e hesitante no documento.

Nesse ponto, ressurge a questão da mecanização para evitar as queimadas, prometida até 2014. Como se equacionará a mecanização com o enxugamento dos postos de trabalho? Este aspecto também resta nebuloso.

O quarto agregado é o desenvolvimento do entorno.

Indubitavelmente, haverá maior movimentação na cidade em decorrência das sucessivas expansões que pretende o setor sucroenergético na região. Todavia, não se pode afirmar, com segurança, como restou exposto no item 3, que o impacto social será positivo. A impressão que se tem é que trata-se mais de um pseudodesenvolvimento e não desenvolvimento real, se não se detectam de maneira clara e robusta quais os benefícios para a população. A parceira requerida pela interessada está em desequilíbrio, visto que os ônus ficarão para a sociedade local e os bônus para a sociedade empresária titular do empreendimento.

Essa agitação está em desacordo com os valores locais, como exposto. Reforce-se, inclusive, os efeitos negativos para a própria saúde mental e física da população, como apontado, os danos ambientais e patrimoniais com queimadas sem controle, que, curiosamente, só ocorrem nas épocas de colheita, a insegurança a que fica exposta toda a população quando a interessada não toma medidas de prevenção contra o furto de defensivos agrícolas, a perturbação do sossego e da higiene das vizinhanças onde se instalam os alojamentos dos trabalhadores, a intensificação do tráfego de treminhões, que todos sabemos dar-se de modo temerário... Vantagens – impactos positivos – não são vislumbradas.

O quinto e último valor social agregado à atividade empresarial é a facilitação de acesso da população a bens e serviços. Fica aparente que tal valor é assim considerado justamente por gerar facilidades ao cotidiano das pessoas. Se há risco de embaraços, como intensificação do tráfego e todos os seus perigos, inclusive a poluição ambiental que disso decorre, intensificação da empregabilidade sazonal, agravamento das dificuldades no atendimento de saúde, educação e habitação etc., não há agregado algum nesse sentido.

Ante os documentos apresentados pela interessada e pelos interessados e os argumentos do moderno direito de empresa, a única conclusão possível é a de que a expansão da atividade da interessada na região não atende aos mandamentos básicos que justificam a preservação da atividade empresarial. Em especial porque a interessada não prima pelo cumprimento de deveres legais, ainda quando existe determinação do judiciário, como se viu acima.

O ponto de vista do direito ambiental, igualmente, recomenda cautela a respeito do pleito da interessada. No mínimo, antes do mais, a interessada deve justificar-se das discrepâncias documentais e sobre as questões levantadas na audiência pública, agora reforçadas.

O princípio democrático assegura ao cidadão o direito à informação e a participação na elaboração das políticas públicas ambientais, de modo que a ele devem ser assegurados os mecanismos judiciais, legislativos e administrativos que efetivem o princípio, como é característico dos direitos coletivos. Por isso, a oferta do presente documento é fundamental no processo decisório em curso.

Permitida a participação popular, aponta-se para os dois princípios mais relevantes na seara ambiental na atualidade: o da precaução e o da prevenção.

O primeiro prescreve que só é de ser permitida a intervenção no ambiente quando houver certeza científica de que as alterações não causarão dano de qualquer ordem. Caso a ciência não seja capaz de determinar com precisão os impactos, deve ser, por cautela, inviabilizada a intervenção.

O segundo, aplicável ao caso em tela, pois os impactos ambientais já são conhecidos, existe para antecipar os riscos e avaliar quantitativa e qualitativamente a conveniência da intervenção no ambiente, sopesando os impactos positivos e negativos, bem como as medidas especificamente detalhadas as quais o interessado se compromete legalmente e aprazadamente a tomar. Exatamente nesse ponto está a obrigatoriedade e a apreciação do EIA-RIMA e a atuação do Conselho. Nesse aspecto, restou demonstrado que o documento é falho, além de deixar de considerar alguns impactos negativos relevantes.

Já o princípio do equilíbrio é voltado para a Administração Pública, a quem cabe avaliar todas as implicações que podem ser desencadeadas por determinada intervenção no meio ambiente, devendo adotar a solução que busque alcançar o desenvolvimento sustentável. É o que se busca com esse procedimento, cujo objetivo é dotar as autoridades competentes, Vossas Senhorias, de informações suficientes para estimar se a proposta da interessada implica em prática sustentável.

É imperativo registrar que a indústria da cana não opera com a aquisição da terra. A prática difundida está no arrendamento de propriedades, em geral em declínio econômico. É certo que há questões de ordem gerencial implicadas nesse modus operandi. No entanto, a sua grande determinante é o fato de que o plantio da cana, sem descanso ou tratamento adequado da terra – que também é a prática difundida, pois incrementa o lucro – exaure o solo, que assim, empobrecido, depauperado, esgotado, extenuado, completamente gasto, é devolvido ao incauto proprietário da terra. Isso é um fato. Um fato que evidencia a falta de compromisso ético do setor com as gerações futuras.

A Constituição da República, art. 185, também prescreve requisitos para o cumprimento da função social da propriedade rural; o aproveitamento racional e adequado do solo, bem como a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente estão entre eles.

A economia, assim como o direito, só tem sentido para dignificar o ser humano. Assim está no art. 170 da Carta Magna: “a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna.” É necessário ter em mente o lucro em ciclo virtuoso, o que não parece acontecer no presente caso.

Há muito por fazer.

Conclusão

A disparidade entre os impactos positivos e negativos é atestada na conclusão do estudo, quando este assim aponta à página 554:

“Ao final da avaliação dos impactos, a primeira hipótese aventada refere-se a não efetivação da ampliação proposta, prevendo-se neste caso a estagnação na atividade industrial da Abengoa naquela planta, bem como a perda dos benefícios do efeito de escala, que implica em redução de custos de produção e melhoria da rentabilidade”.

Sem prejuízo do que foi antes exposto e ponderado, é este para requerer a Vossas Senhorias sobretudo o que segue:

1- Que a empresa defina, exatamente, quais áreas em que haverá ampliação da atividade agrícola.

2- Que esta ampliação aconteça, somente, nos locais apontados do mapa em vermelho e que mesmo nestes locais sejam preservados o entonro da Lagoa Branca, em direção ao município de Casa Branca.

3- Que à Leste e Norte do Município de São João da Boa Vista, não haja plantio de cana, bem como uma progressiva retirada das atuais áreas de cultivo, objetivando proteger as áreas de Serra, mormente na Serra da Paulista e demais áreas tidas como mais frágeis e consideradas críticas, quer pela sua declividade, quer para a preservação da Bacia do Jaguari Mirim.

4- Que nas áreas tidas como inadequadas para o plantio de cana de açúcar, localizadas às margens do Jaguari, que haja a IMEDIDATA RETIRADA e recuperação destes locais, acatando os protocolos do qual a empresa é signatária.

5- Que as medidas de compensação ambiental não sejam feitas em Mogi Guaçu, mas sim, no replantio de espécies nativas nas margens do Jaguari , na recuperação e ampliação do Bosque Municipal Gavino Quessa, localizado na área urbana de São João da Boa Vista, ou ainda em outra área que poderá vir a ser um parque linear nas margens do Jaguari, DENTRO DO MUNICÍPIO e PREFERENCIALMENTE NA ZONA URBANA DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA.

6- Que o Consema reveja os números da ampliação requerida pela Abengoa, objetivando verificar o aumento real de produção de álcool e açúcar que é pretendido e o que já está sendo executado, estabelecendo que esta ampliação se dê, no limite da capacidade produtora e de preversação do frágil ambiente em que estamos inseridos.

7- Para que não haja novas surpresas e ampliações que a região evidentemente não comporta, que a CETESB estabeleça um limite máximo para a atuação da Usina, na região.

8- Que a empresa mantenha uma gestão mais satisfatória visando proteger o trabalhador, criando programas especiais de saúde na empresa, de combate ao uso indiscriminado de drogas evitando assim, os graves acidentes que vem sendo noticiados.

9- Que haja um Plano de Gestão Integrado de Controle de Incêndio evitando a prática de fogo irregular que vem se tornando um hábito.

10- Que a empresa formalize um acordo visando empregar de fato o trabalhador da região, treinando-o quando necessário e/ou criando parcerias com o SENAI para que haja mão de obra adequada ao tipo de trabalho requerido.

11- Que todas as ações requeridas estejam vinculadas a cronogramas de cumprimento e implantação.

São João da Boa Vista, 08 de setembro de 2011.

Marco Antonio de Souza, presidente do Grupo Ecológico Maitan; Maria Cristina dos Santos Lerosa, presidente da Guará – Guardiões da Rainha das Águas; Maria Isabel Pereria, jornalista e membro da Associação Universidade Holística da Mantiqueira