_Estão todos aqui?
Perguntava alguém. Começava então a contagem das crianças: um, dois , três...onze com a Delinha... Delinha, minha irmã, ainda no colo, era a caçula de uma turma de primos e primas que se espremiam como podiam no carro de meu tio, para domingos de passeio e poeira. Às vezes era um fusca e de que jeito cabiam dois ou três adultos, mais a criançada nele, é um destes mistérios que se perdem na infância.
Íamos ao sítio dos avós dos meus primos, se era época de manga. Lá tinha manga “Coração de Boi”, que eu nunca mais vi, e que era enorme. A casca tinha um tom entre o vermelho e o roxo, mais para o roxo se me lembro bem.
Mas, quando nos cabia escolher, o nosso lugar preferido era o Bosque em Águas da Prata para disputar um lugar nos balanços, gangorras e escorregadores instalados na sombra de árvores centenárias; tomar sorvete e comer milho verde cozido.
Justiça seja feita, o que nos motivavam eram os balanços e todo o resto era secundário. Voávamos em direção às árvores, sempre rindo, numa sensação de liberdade que ainda hoje invade meus sonhos quando neles vôo para lugares desconhecidos.
O balanço instalado com correntes eram altos e, para nós, alcançavam velocidade de cruzeiro ao deixar os pés próximo das folhas das árvores. Tinha sempre muita gente. Conseguir um balanço requeria certa estratégia e muitos conchavos entre os primos que “guardavam lugar” para quem estava sem. Lembro bem que depois que você dominava a arte de dar “galeio”, as vozes desapareciam e você se transportava para um lugar onde só existia você e as árvores. Tudo o mais era silêncio, o vento no rosto e um transplantar para um outro mundo. Dava um certo frio na barriga, mas o prazer era maior e o tempo voava junto a cada galeio.
Esta e muitas outras histórias lembramos no Dia das Mães, ao reencontrarmos primos que não víamos há muito tempo, além é claro da minha tia Lola querida e o Tio Antonio, especialista em historias de assombração e fim do mundo - que deixo para uma outra ocasião.
Éramos uma boa turminha, inseparável, com milhões de histórias comuns, que dividimos e relembramos recriando os domingos felizes e a rotina feliz das nossas infâncias.
Minha tia teve oito filhos. Havia a turma dos mais velhos, que eram uma referência, quase um modelo a ser seguido, mas que não pertenciam ao nosso grupo formado basicamente por meninas: éramos eu e minhas primas Isabel (minha xará e companheira inseparável), Regina e Márcia. Meu irmão João e o primo Paulo, mais novos, iam atrás de nós, com suas brincadeiras de meninos que incluíam caçar passarinho, pescar e andar de carrinho de rolimã, o que travessamente também fazíamos, o que valia muitos arranhões nos joelhos.
No domingo colocamos a vida em dia. Falamos dos filhos, da vida e principalmente rimos muito. Tinha esquecido como era gostoso rir de perder o fôlego, rir de passar mal, rir de si mesmo, dos outros, sem julgamento e até chorar de rir. As histórias muitas vezessó eram engraçadas para nós que as vivemos; os filhos e cunhadas que não estavam lá para ver, riam mais das nossas risadas e da nossa alegria, do que do fato em si. De novo éramos meninas que riem sem motivo, que conversam, conversam, conversam e o assunto nunca acaba. E ríamos de novo. Das lembranças, de nós mesmas, das situações, das bobagens adolescentes, dos paqueras, dos grandes amores que viraram pó... Nenhuma lembrança amarga. Tudo muito doce, com pitadas de saudade e salpicadas com sabores de infância a invocar os pratos simples que me tia fazia, mas que nos pareciam manjares divinos e que continuamos a perseguir nas comidas que preparamos, já adultas, para nossos filhos.
Não sei ainda o que , mas algo em mim, amoleceu. Foi como se tivesse voltado para casa e reencontrado um lado menina, descompromissado, quando era fácil ser feliz, tudo era bonito, gostoso e a vida uma constante aventura.
Hoje o sol amanheceu com um brilho diferente. Voltou a ser o mesmo sol da minha infância, quando o brilho espantava os fantasmas de São Paulo, onde morávamos, e que era uma cidade na minha lembrança toda cinza.
São João começava já na rodoviária, com sua profusão de cores, com o ônibus colorido que nos trazia e onde desembarcava num mundo de primas, brincadeiras e liberdade.
Neste domingo, olhando cada rosto, por traz dos sinais que o tempo marcou, o que prevaleceu foi o brilho dos olhos. Todos nós éramos crianças de novo. Sem medo, livres e com a vida toda pela frente. Falamos a linguagem do coração e mergulhamos na pureza e ingenuidade de nossas infâncias para, de alma lavada, enfrentarmos as nossas rotinas. Tomara estes vínculos possam agora ser mantidos.
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