skip to main |
skip to sidebar
Na esquina da Rua do Ouvidor, com a São Francisco, no coração da cidade, aporta toda manhã um dos muitos rostos anônimos que rivalizam com a paisagem e se tornam marcos. O nome não poderia ser mais comum: José da Silva. Seu José construiu com caixas de verduras um tablado onde instala a sua mercadoria.
São cebolas, quase sempre. Às vezes batatas e alhos. Agora, como é época, a banquinha está repleta de favas. O que chama atenção no seu produto é a qualidade, a aparência como ele os vende e o local. Embaladas, na esquina da Ouvidor, a uma quadra do Largo São Francisco, estão batatas selecionadas por tamanho, cebolas sem quaisquer marcas, alhos previamente
escolhidos com matizes em roxo e agora favas que trincam de tão frescas.
O preço é alto, comparado com os similares o que me faz pensar quem é que compra.
A gente apressada que caminha para o Terminal Bandeira ou para o metrô Anhangabaú, não vai carregar sacolas de cebola e alho a um preço mais alto do que o encontrado na periferia.
Mas por ali também circulam engravatados, moças e senhoras de salto alto, que comem ou tomam café no bar da ladeira, ou que param seus carros nos estacionamentos que abundam no local, para trabalhar no arquivo da Polícia Federal, ou do Tribunal de Justiça, no prédio do TRE, na Prefeitura ou nos escritórios de advocacia que alí são muitos. São eles, desconfio, os que compram a mercadoria de seu José.
Ele se diz pernambucano, mas os olhos azuis celestes, escancaram a sua ascendência italiana. A idade é indefinida, mas as bolsas embaixo dos olhos e o olhar perdido, revela exageros etílicos. O lugar exato de pernambuco ele não lembra. Diz que vem de tantos lugares que não se importa mais. A vida o foi tocando e o encostou naquela esquina. Ele mora em um dos muitos prédios invadidos que tem por ali. Vai de um para outro e mora em “qualquer cantinho”.
A mercadoria e a tralha ele guarda nas garagens dos prédios vizinhos. Para pegar os produtos frescos, amanhece na feira atrás do Mercado Municipal. Às 7 já está com a mercadoria exposta.
A polícia, quando resolve “limpar” as calçadas dos ambulantes, nem se aproxima do seu José e da Rua do Ouvidor. Ele é patrimônio da rua e faz banca alí há mais de 5 anos.
Agora, com a novidade das favas, seu José encontrou amigos para ajudar a debulhá-las. São dois ou três. Aparentam mais de 60 anos, cabelos brancos e sentados, alí, em caixotes na esquina, imunes ao barulho e ao ar poluídos pelos escapamentos dos ônibus forçam na subida, estão debulhando favas e as separam em saquinhos que são regiamente pesados por seu José, numa balança pequenina.
Os três contam histórias, fumam seus cigarros, tecem conversas, riem de piadas comuns, na medida em que os grãos são separados.
Vistos assim, de longe, parecem felizes e criam uma ilha de tranqüilidade naquela esquina. Eles podiam estar no terreiro de uma roça. O som que os embalaria seria o cacarejar de galinhas e o canto dos pássaros, mas é o som dos veículos, o ar quase irrespirável, o que os alimentam. Parecem à vontade e transformam a esquina num lugar provinciano.
O que é mesmo ser feliz? Fico sempre me perguntando.
A pequenina Rua do Ouvidor em São Paulo, não tem o glamour da xará carioca. Alí nunca foi ponto de encontro de ninguém, nem mesmo recebeu um traçado especial na complicada geografia paulistana. Nem sequer foi sempre chamada assim. A rua do Ouvidor, nos primórdios da capital, era onde é hoje a rua José Bonifácio, em frente à São Francisco. Lá era o endereço do Cel. João de Castro Canto e Mello, que ali morava com sua família. Foi em sua casa assobradada que o Cel. recebeu a sociedade paulistana para o casamento da filha caçula, Domitila de Castro. A moça era apenas Titília, uma beldade resplandescente aos 16 anos, que arrancava suspiros aos homens da época. Somente mais tarde é que Titília viraria personagem da história do Brasil, ao tornar-se a Marquesa de Santos e a encher o império com o ruído do seu nome e o escândalo do seu amor. Enquanto Marquesa ela comprou um solar na antiga rua do Carmo, também nas imediações, onde hoje é o Museu da Cidade.
A rua do Ouvidor de então, era a rua do Bixiga, porque ligava a cidade à chácara do Bixiga. A Câmara chegou a dar-lhe o nome de ladeira de Santo Amaro, uma vez que atravessando a praça da Bandeira, se chega, do outro lado à rua Santo Amaro. Mas o povo a chamava de ladeira do ouvidor, porque acabava na rua do Ouvidor.
O povo, como se sabe, tem sempre razão. E a rua roubou o nome até da original.
Seu José, nem desconfia disso. Aliás, quase dois séculos depois, quase ninguém mais sabe o endereço de solteira da Marquesa, ou o que é ou era um ouvidor.
Ele é mais um personagem desta paulicéia, que Oswald de Andrade, já considerava desvairada na década de 20, mas não o único. Ainda há muitos outros a serem descobertos.
Achei no Wikipedia a foto da rua, com a banca do seu José! Perfeito.
domingo, 20 de fevereiro de 2011
Uma São Paulo que poucos veem
Na esquina da Rua do Ouvidor, com a São Francisco, no coração da cidade, aporta toda manhã um dos muitos rostos anônimos que rivalizam com a paisagem e se tornam marcos. O nome não poderia ser mais comum: José da Silva. Seu José construiu com caixas de verduras um tablado onde instala a sua mercadoria.
São cebolas, quase sempre. Às vezes batatas e alhos. Agora, como é época, a banquinha está repleta de favas. O que chama atenção no seu produto é a qualidade, a aparência como ele os vende e o local. Embaladas, na esquina da Ouvidor, a uma quadra do Largo São Francisco, estão batatas selecionadas por tamanho, cebolas sem quaisquer marcas, alhos previamente
escolhidos com matizes em roxo e agora favas que trincam de tão frescas.
O preço é alto, comparado com os similares o que me faz pensar quem é que compra.
A gente apressada que caminha para o Terminal Bandeira ou para o metrô Anhangabaú, não vai carregar sacolas de cebola e alho a um preço mais alto do que o encontrado na periferia.
Mas por ali também circulam engravatados, moças e senhoras de salto alto, que comem ou tomam café no bar da ladeira, ou que param seus carros nos estacionamentos que abundam no local, para trabalhar no arquivo da Polícia Federal, ou do Tribunal de Justiça, no prédio do TRE, na Prefeitura ou nos escritórios de advocacia que alí são muitos. São eles, desconfio, os que compram a mercadoria de seu José.
Ele se diz pernambucano, mas os olhos azuis celestes, escancaram a sua ascendência italiana. A idade é indefinida, mas as bolsas embaixo dos olhos e o olhar perdido, revela exageros etílicos. O lugar exato de pernambuco ele não lembra. Diz que vem de tantos lugares que não se importa mais. A vida o foi tocando e o encostou naquela esquina. Ele mora em um dos muitos prédios invadidos que tem por ali. Vai de um para outro e mora em “qualquer cantinho”.
A mercadoria e a tralha ele guarda nas garagens dos prédios vizinhos. Para pegar os produtos frescos, amanhece na feira atrás do Mercado Municipal. Às 7 já está com a mercadoria exposta.
A polícia, quando resolve “limpar” as calçadas dos ambulantes, nem se aproxima do seu José e da Rua do Ouvidor. Ele é patrimônio da rua e faz banca alí há mais de 5 anos.
Agora, com a novidade das favas, seu José encontrou amigos para ajudar a debulhá-las. São dois ou três. Aparentam mais de 60 anos, cabelos brancos e sentados, alí, em caixotes na esquina, imunes ao barulho e ao ar poluídos pelos escapamentos dos ônibus forçam na subida, estão debulhando favas e as separam em saquinhos que são regiamente pesados por seu José, numa balança pequenina.
Os três contam histórias, fumam seus cigarros, tecem conversas, riem de piadas comuns, na medida em que os grãos são separados.
Vistos assim, de longe, parecem felizes e criam uma ilha de tranqüilidade naquela esquina. Eles podiam estar no terreiro de uma roça. O som que os embalaria seria o cacarejar de galinhas e o canto dos pássaros, mas é o som dos veículos, o ar quase irrespirável, o que os alimentam. Parecem à vontade e transformam a esquina num lugar provinciano.
O que é mesmo ser feliz? Fico sempre me perguntando.
A pequenina Rua do Ouvidor em São Paulo, não tem o glamour da xará carioca. Alí nunca foi ponto de encontro de ninguém, nem mesmo recebeu um traçado especial na complicada geografia paulistana. Nem sequer foi sempre chamada assim. A rua do Ouvidor, nos primórdios da capital, era onde é hoje a rua José Bonifácio, em frente à São Francisco. Lá era o endereço do Cel. João de Castro Canto e Mello, que ali morava com sua família. Foi em sua casa assobradada que o Cel. recebeu a sociedade paulistana para o casamento da filha caçula, Domitila de Castro. A moça era apenas Titília, uma beldade resplandescente aos 16 anos, que arrancava suspiros aos homens da época. Somente mais tarde é que Titília viraria personagem da história do Brasil, ao tornar-se a Marquesa de Santos e a encher o império com o ruído do seu nome e o escândalo do seu amor. Enquanto Marquesa ela comprou um solar na antiga rua do Carmo, também nas imediações, onde hoje é o Museu da Cidade.
A rua do Ouvidor de então, era a rua do Bixiga, porque ligava a cidade à chácara do Bixiga. A Câmara chegou a dar-lhe o nome de ladeira de Santo Amaro, uma vez que atravessando a praça da Bandeira, se chega, do outro lado à rua Santo Amaro. Mas o povo a chamava de ladeira do ouvidor, porque acabava na rua do Ouvidor.
O povo, como se sabe, tem sempre razão. E a rua roubou o nome até da original.
Seu José, nem desconfia disso. Aliás, quase dois séculos depois, quase ninguém mais sabe o endereço de solteira da Marquesa, ou o que é ou era um ouvidor.
Ele é mais um personagem desta paulicéia, que Oswald de Andrade, já considerava desvairada na década de 20, mas não o único. Ainda há muitos outros a serem descobertos.
Achei no Wikipedia a foto da rua, com a banca do seu José! Perfeito.
0 comentários:
Postar um comentário