domingo, 18 de setembro de 2011

De chuvas e de ações sociais

De novo estamos chocados com a tragédia provocada pelas chuvas em todo o Sudeste e, sobretudo, na região serrana do Rio de Janeiro.

Não é um fato isolado. Todo ano chove. Chove nos mesmos lugares, as tragédias se avolumam e o que mudou neste cenário foi apenas a intensidade, a quantidade de água que desabou dos céus e, com isso, o nosso assombro.

Campanhas de ajuda virão. Serão recolhidas toneladas de alimentos e muitos serão perdidos. Não é porque as pessoas são ruins e há corrupção e desvio. É que a logística para levar e distribuir 5 k de arroz, muitas vezes é mais cara do que comprar nas imediações. Sem contar que quem perde casa não tem onde cozinhar e precisa de comida instantânea, fácil de fazer num fogareiro improvisado. Geralmente se montam restaurantes comunitários geridos pelas prefeituras e ONGs que recebem subsídio para comprar comida. Também não adianta tirar aquele casaco grosso e caro do armário e enviar, porque as pessoas não têm onde lavar e vai pro lixo depois de usar. Já água potável, massas instantâneas, sabonete e leite em pó são sempre bem vindos, assim como roupas íntimas. Aprendi que ninguém doa calcinhas e cuecas e agora, diante de tragédias assim, compro várias, das mais simples, de vários tamanhos, e entrego.

Mas daqui a pouco chegará o sol, que secará a terra, levará a água de volta para os rios e córregos e nos encantaremos com a solidariedade, com a capacidade de mobilização das pessoas, com a ajuda humanitária e vamos esquecendo a dor das vítimas, os riscos eminentes e as obras de prevenção planejadas, pensadas e necessárias.

Virão outras prioridades, sobretudo lá pelo meio do ano, quando estivermos rezando por um pouco de chuva e quando chegarão os incêndios e iremos chorar pelas montanhas queimando.

De novo vamos clamar pelos animais queimados na Serra da Prata, por exemplo, e se seguir o que aconteceu em 2010, fogueiras se levantarão da terra em todo o país e levarão as árvores centenárias que fazem a nossa referência na paisagem e que tombam levando junto parte da nossa história.

Faremos planos, pensaremos em brigadas, questionaremos o poder público, ficaremos indignados com a falta de educação, consciência e respeito de quem coloca fogo em terreno, queima lixo... mas a chuva benfazeja logo chegará, apagará o fogo, veremos a natureza se refazendo e respiraremos aliviados. As brigadas, as promessas, o susto tudo ficará para trás e nós vamos tocando a vida, gratos pela água que chegou.

Com o intervalo de notícias de algumas ventanias lá por agosto e setembro, de pássaros e peixes que morrem sem motivo, de alguns vulcões que resolvem voltar à ativa, de terremotos e tsunamis, pelo mundo, chegará de novo janeiro. E com janeiro, novamente as chuvas, possivelmente mais intensas. E com elas novas vítimas. A televisão fará de novo shows de coberturas, haverá novos heróis e vítimas que se salvam por milagre. Outras cidades e regiões serão atingidas com mais intensidade. Mas se não houver mudança a Vila Pantanal em São Paulo deve continuar enchendo e os morros no Rio de Janeiro vão descer de novo. Cobraremos as obras esquecidas, culparemos esferas superiores, quiçá ambientais – são as forças ocultas que atuam no país desde a renúncia de Jânio-, pensam alguns - e, de novo, vai passar. Até quando?

O que estamos vivendo não é privilégio nosso. Acontece em todo o mundo e atende pelo nome de mudança climática. A tendência, dizem todos os especialistas, é de que vai piorar. Não se trata de mais um discurso “eco-chato”. É um fato. A época dos discursos já passou. Ninguém quis ouvir e o resultado é que exaurimos o planeta e não esta mos preparados para o que pode vir, para lidar com as legiões de migrantes que fugirão de regiões devastadas, com as vítimas do clima, com o volume de água, gelo, vento e fogo que se alastra.

Mas o fato do fenômeno ter nome, não exclui a nossa responsabilidade de prevenir. Não podemos mais parar a quantidade de chuva, mas precisamos, com urgência, de um programa de redução de risco de desastres, como a principal política pública de Estados , dos Municípios e do governo federal. São medidas que atuam de um lado na prevenção e no outro para que, se houver o problema, ele tenha um impacto pequeno.

As universidades, o saber acadêmico precisa deixar as pranchetas, as elucubrações virtuais, os cálculos de “quantos anos até as geleiras degelarem-se” , ou quantas árvores devem ser plantadas para fazer o seqüestro de gás carbônico e cair no mundo real. As idéias de prevenção precisam circular. Precisamos ter aviso destes fenômenos. Nem que seja meia-hora antes, para que as pessoas possam sair das suas casas. Novas tecnologias, apenas teorizadas, precisam ser colocadas à prova. As prefeituras não podem ter medo de inovar e buscar tais alternativas. Nem podem continuar a não fazer a sua lição de casa. Cabe-nos a tarefa de minimizar ao máximo possível os danos, tanto econômicos, quanto de vidas, quando as tragédias chegarem até nós.

Há áreas que requerem mudanças estruturais de saneamento, de moradia, de contenção de enchentes, de piscinões e aí é função do poder público priorizar e da população cobrar. Mas a sociedade civil organizada também precisa se estruturar para estar pronta a atuar num desastre. Ações de defesa civil, brigadas de incêndio, voluntários, enfim, o momento de organizar é este. Esta é a realidade que vivemos e este é o nosso desafio. E o tempo de pensar e mobilizar é agora enquanto ainda estamos mexidos com o que vemos na televisão. Como dizia minha vó, se malha o ferro enquanto ainda está quente.

Maria Isabel Pereira é jornalista.

PS- O texto foi escrito em janeiro de 2011, logo depois da tragédia em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Acho que foi publicado em jornal, mas não tenho certeza. Resolvi deixar no Blog...

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