quarta-feira, 2 de março de 2011

Entrevista O MUNICIPIO - Parte II - O mouse do lado esquerdo

2- qual foi a 'melhor parte' de trabalhar no jornal? (pautas, colegas, ritmo de trabalho etc)
Para mim cada fase foi importante. Do ponto de vista jornalístico, as grandes matérias e as campanhas foram grandes momentos. Elevar o jornal até ele ser reconhecido como parcerio da comunidade foi uma conquista e tanto. Estive no jornal em um período muito rico, muito fértil da sua história e da vida de todos nós que pudemos compartilhar aquele momento. Havia muita sinergia entre os que fizeram o jornal vingar. São muitas histórias e capítulos que nem sempre fecharam. Algumas questões continuam abertas, mas não como feridas expostas, mas sim como possibilidades que não chegaram ao seu termo. Tudo foi muito desafiante, porque era tudo muito novo.
Por exemplo, a história do computador. O computador desembarcou na redação, no começo de 1992, depois de visitarmos alguns jornais, mas sem nenhum referencial. Ninguém tinha feito curso, nem havia muitos computadores na cidade. O mais perto que eu tinha chegado de um era um XT que meu ex-marido usava unicamente para jogar xadrez. Visitamos algumas redações e jornais para saber qual máquina comprar, mas nunca perguntamos que programas instalar ou como funcionava os sistemas de arquivos e a rede. Então, arrumamos um especialista (acho que a empresa era a Chipset) que fez um projeto, instalou as máquinas e montou a rede. Mas para nós era tudo “grego”. Na hora de encomendar as mesas, eles pediram um modelo que tinha um anexo, para colocar o mouse. Acontece que o Teodoro, que era o responsável da Chipset para fazer o projeto era canhoto e encomendou todas as mesas com o anexo no lado esquerdo. Acho que ele nunca nem percebeu isso e instalou o mouse do lado esquerdo. Ele é quem ia lá dar suporte para os computadores que quebravámos dia sim e outro também. Nós o imitáva-mos. Ele usava do lado esquerdo. Nós também. Como para nós era mais difícil então aprendemos todas as teclas de atalho do word e do Page e só usávamos o mouse para o que não podia ser feito com o teclado. Acho que até perto do século XXI, todo mundo continuava usando o mouse com a esquerda, na redação!!! As mesas já haviam sido substituídas, mas quem entrava, se estranhasse, penso que achava que era assim que se fazia em jornal!!.
Até que entrou alguém, acho que foi o Rodrigo Borgo, que teve a brilhante ideia de mudar o mouse para o outro lado.... Eu lembro que para mim parecia uma heresia! Até pouco tempo atrás eu só usava o mouse com a mão esquerda apesar de ser destra! Acho que esta história explica um pouco o que foi fazer o jornal naquela época. Tudo foi tentativa, acerto e erro. As primeiras edições com editoração eletrônica ficaram horríveis!! Só nos arriscávamos em algumas páginas, porque não sabíamos transpor para a tela, o que fazíamos com cola, estilete e uma máquina que fazia uma barulheira infernal: a composer. E foi justamente quando quebrou a composer que tivemos que tomar coragem e fazer toda a edição de forma eletrônica.
Anos depois, visitando a redação de um grande jornal é que descobri que a nossa maneira de arquivar as notícias, tratar as fotos, fazer um método de trabalho em rede, o jeito de arquivar as matérias por página, a decisão pelos programas usados, enfim, tudo o que criamos intuitivamente era idêntico ao sistema adotado pelos grandes jornais. Éramos todos autodidatas, mas não tínhamos para quem perguntar, porque na região ninguém tinha computador nas redações. Líamos em revistas e livros, procurávamos cursos alternativos - o diagramador da época, era o meu irmão, o João Carlos. Ele chegou a fazer um curso em Campinas, aos sábados de manhã, para aprender a usar Corel e Page Maker. Era o mais próximo que tinha!
Nós sabíamos fazer matérias, sabíamos investigar os assuntos, sabíamos “desenhar” as páginas, porque aprendemos com você Clóvis ( e eram lindas porque você tinha um kit de diagramação com modelos de páginas já prontas, uma série interminável de grafismos e usávamos muitos espaços em branco para fazer contraste com capitulares imensas, principalmente no segundo caderno, que tinha jeito de revista embalado pela revolução que foi o Caderno 2 do Estadão). O jornal era mesmo de vanguarda e reunia uma gama variada de artistas, intelectuais e de gente comprometida com qualidade e beleza. Era uma outra época, onde o jornal era uma escola que se reinventava a cada edição e que não tinha medo de ousar, nem de ser ridículo, nem de criar polêmica.

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